Descrição
Deus retorna à morada celeste, esquecera a televisão acesa, sim, sim, espera com avidez pelo momento em que conseguirá se libertar das formas humanas. Nunca entendeu o objetivo dos homens, talvez seja vingança pela Criação, por que torná-lo humano para abandoná-lo na essência profunda e apenas utilizá-lo como mecanismo de dominação? Se não fossem pela televisão e pelo amor, Deus cogitaria a ideia de suicídio. Deus não aprendeu a fazer amigos, vide o Diabo. Deitado, nu, com o controle remoto na mão, mas com controle pequeníssimo das próprias escolhas, “maldita hora em que inventei a ironia”. Deus sente tédio, porque a vida humana se constitui do vazio mais todos os paliativos por trás de onde as pessoas se escondem para evitar encará-lo. O ser humano é o carioca universal, “é bom demais ser carioca, por isso, eles são tão metidos”, Deus cospe no prato em que comeu, não quer mais ser carioca, brasileiro, americano, cristão, muçulmano, judeu, terráqueo, humano, Deus está melancólico. Talvez uma pequenina maldade ou uma batalha épica no estilo da barbaridade europeia o animassem, mas, é sério, Deus não mais se interessa pela crueldade dos felizes. Reconhece em Si como é exibida a paudurescência dos vencedores. Deus sente sono, muito, muito sono, “como se livrar dessas identidades humanas de araque?”. Entressonho, “mais interessante é a cópula das baleias”. Deus sonha que todas as mulheres estão grávidas para sempre. Surpresa, é um pesadelo!, o ser humano é feliz, apesar da vista grossa autodestrutiva, e ri descaradamente, chamando Deus por vários nomes, sobrepujando o Criador, manezão, humilhando-o como uma criança mais velha faria a outra muito menor, “lá, lá, lá, lá, lá, lá”, o ser humano entope a boca divina com areia, Deus engasga, não respira, desespera-se, tenta tossir, não consegue, vai morrer, é humano, porra!, “socorro!”, Deus desperta com o coração acelerado, mas em absoluta contradição dá graças a Deus por ser apenas um sonho, ainda estar vivo, nu e tão apegado à ideia de aprender a ser humano.
Sobre o autor:
Rafa Lima escreveu os romances O pervertido e Bem-vindos, sonhadores, os livros de contos A crueldade dos felizes e Nonsense são os outros, as peças de teatro que ficaram em cartaz no Rio de Janeiro Coleção de centauros (1998), Os despertAmores (2003) e O amor segundo o Diabo (2009), além de ser o autor do quadrinho provocador Pessoinhas e do blog www.fantasticomundodorafa.blogspot.com
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